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Água
viva


 As Obras

É uma tradição constante dizer que a fonte da juventude nasce ao pé duma árvore. Pelas suas águas sempre novas, a fonte simboliza, não a imortalidade, mas sim o perpétuo rejuvenescimento (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p. 334).

Mergulhos

A água que brota fresca no seio da terra sugere a vida. "A fonte é origem, princípio, na sua pureza límpida e intacta. A fonte aparece como elemento propriamente criador e também símbolo da fertilidade, da maternidade" (RATZINGER, p. 302, 2007). No Dicionário de Símbolos encontra-se que o simbolismo da fonte de água viva:

é expresso principalmente pela nascente que jorra no meio dum jardim ao pé da Árvore da Vida, no centro do Paraíso terrestre, e que, seguidamente, se divide em quatro rios que correm em direção às quatro direcções do espaço. Esta é, segundo as terminologias, a fonte da vida, ou da imortalidade, ou ainda, a fonte do ensinamento. É uma tradição constante dizer que a fonte da juventude nasce ao pé duma árvore. Pelas suas águas sempre novas, a fonte simboliza, não a imortalidade, mas sim o perpétuo rejuvenescimento (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p. 334).

Assim, a água, ao brotar, sugere noções de vida, de regeneração e de fertilidade. "A sacralização das fontes é universal, pois constituem a boca da água viva ou da água virgem (...) A água viva que elas deitam é como a chuva, o sangue divino, o sêmen do céu" (Id., p. 335). O significado da água como vida conduz a um simbolismo erótico, pois a fonte é propiciadora de fecundidade. Há numerosas lendas sobre fontes cujas águas curam a esterilidade das mulheres, que fazem com que elas encontrem maridos, dentre outras (REVILLA, p. 313, 2012). A fonte é alívio e presente para o caminhante sedento e sua experiência tem sido deslocada para a vida espiritual.

Há diversas variantes para a fonte da vida:

Fuentes milagrosas, que eliminan las enfermidades (em ocasiones, real y efetivamente, gracias a su composición química); "fuente de la eterna juventude" (em cuya busca fueron personajes desde Alejandro Magno a Ponce de León). Ésta suele ser de emplazamiento ignoto o difícil acceso - se la supone a menudo custodiada por monstruos - o exigir esfuerzos o pruebas denodados hasta gozar de sus aguas, lo cual supone todo um decurso iniciático, algo que subraya el valor simbólico que conserva (Id., p. 313, 2012).

Há vários mitos para a Fonte da Eterna Juventude. Para a mitologia romana, Juventa foi uma ninfa que Júpiter (Zeus na mitologia grega) transformou numa fonte que rejuvenescia as pessoas. Daí decorre o termo juventude. A metáfora da água de Juventa traz em si o simbolismo da água viva. Há vasta iconografia sobre o tema. Apresento a seguir a obra de Gaston Bussière, de Eduard Veith e de Lucas Cranach.



Juventa - Gaston Bussière



Fonte da Juventude - Eduard Veith



A fonte da juventude - Lucas Cranach

Machado de Assis, na nota 27 de seu romance Memórias Póstumas de Brás Cubas diz que era à fonte de Juventa que os mortos desciam; nela eram banhados e dela subiam vivos. Juventa era a deusa da juventude, sobretudo na adolescência. Coelho Neto usou, em um de seus livros de contos, o título "Água de Juventa".

Os espanhóis pensavam que a Fonte da Juventude estava situada no Arquipélago das Bahamas. No século XVI, o explorador espanhol Ponce de Léon a procurou em Bimini, Porto Rico e conseguiu do rei espanhol armas e homens para essa busca - que desaguou em outras descobertas: a Flórida.

A fonte da juventude, na mitologia greco-romana constituía-se em um rio que saía do Monte Olimpo e passava pela terra. Advinda dos deuses dava a imortalidade a quem bebesse de suas águas. Várias civilizações mencionaram a água viva:

  • Tradição oriental: fonte de vida hiperbórea ou polar. Conforme dito acima, Alexandre Magno saiu à sua procura;
  • As construções nos países árabes são erguidas em torno de um pátio quadrado cujo centro é ocupado por uma fonte;
  • Na Irlanda, na Batalha de Mag Tured, falava-se de uma fonte de saúde onde eram deitados os feridos que ficavam curados e aptos para o combate no dia seguinte;
  • Países Celtas, especialmente na Bretanha, onde geralmente se lhe atribuem virtudes curativas para as mais diversas doenças, desde a febre até as doenças da pele;
  • Entre os Germanos, a fonte de Mimir continha a água do saber;
  • Tradições Órficas: às portas dos Infernos encontram-se duas fontes; é preciso ser-se da raça do Céu, dos seres espirituais, para beber das águas da fonte da memória, que conferem a vida eterna;
  • Para os Gauleses, as fontes eram divindades que tinham sobretudo a propriedade de curar feridas e de reanimar os guerreiros mortos (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p. 334 e 335).

Há uma infinidade de músicas, filmes, peças de teatro, contos, romances na temática da água viva abordando a busca do perpétuo rejuvenescimento, as fontes do ensinamento, as milagrosas, os monstros que cuidam das fontes, dentre outros. Assim, a fonte simboliza "a origem da vida, e, de uma forma mais geral, toda a origem, a do génio, da força, da graça, de toda a felicidade" (Id., p. 335).

Fonte da memória... fonte do esquecimento... Infinidades de símbolos! Nas praças, nos jardins das cidades, quer por sua beleza, quer pela história que apresentam, quer pelas inúmeras figuras mitológicas, as fontes constituem-se "fontes" de saberes/experiências. Dentre tantas possibilidades as fontes que apresento a seguir surfam pelo Deus Netuno.



Fontana de Trevi (Roma)

Maior fonte barroca de Roma. Projetada por Nicoli de Salvi e construída em 1735 com desenhos de Bermini e realização final de Giuseppi Pannini. A fonte marca o final do Aqua Virgo, um aqueduto de grande valor simbólico. Na fonte há uma magnífica estátua do Deus Netuno, representado sobre um carro em forma de concha e puxado por dois cavalos. Os animais são conduzidos por dois tritões. Perto de Netuno estão as alegorias femininas da Abundância e da Salubridade, dentre tantos outros detalhes. Mas interessa aqui aprofundar no Deus Netuno - Deus dos Mares, dos Oceanos, dos Rios, das Fontes, dos Lagos. Posídon para os gregos; o domínio das águas lhe pertence e é um deus temível - dos mares revoltos. O seu atributo é o tridente ou arpão de três pontas. Criador de cavalos, senhor das ninfas, sereias, nereidas e tritões. Sua principal esposa foi Anfitrite, que lhe deu como filhos os tritões - monstros marinhos com rostos humanos barbados e com caldas como a dos golfinhos.

Todas essas representações encontram-se, por exemplo, na Fonte de Netuno em Berlim. Fonte neobarroca criada em 1891 por Reinhold Begas, para ficar em frente ao muro sul do Castelo de Berlim. Foi recuperada em 1969. O Deus Netuno é o centro da fonte e está cercado por quatro figuras femininas que representam os quatro maiores rios da Alemanha: o Reno, o Vístula, o Oder e o Elba. A fonte tem ainda peixes, lagostim, caracol, rede de pescar, dentre outras.


Em Madrid a Fonte de Netuno foi desenhada por Ventura Rodríguez no ano de 1782 e construída logo a seguir por Juan Pascual de Mena.


Netuno, portanto, foi muito utilizado em fontes a partir do Renascimento por ser símbolo das águas primordiais, de onde nasce a vida - "de forma ainda indiferenciada, tempestuosa e monstruosa (...) Posídon/Netuno é a expressão ctoniana das forças criadoras; encarna as forças elementares e ainda indeterminadas de uma natureza que procura formas sólidas e duradouras" (Id., p. 540).

Para terminar e ciente que não têm fim as análises que poderiam ser feitas de algumas fontes pelo mundo afora remeto-me aos animais que estão sempre ao lado de Netuno: o cavalo, o touro e o golfinho - símbolos da fertilidade:

As crinas de um, os mugidos do outro, a rapidez saltitante do terceiro, pelas suas semelhanças com as ondulações barulhentas das ondas, permaneceram ao nível da explicação puramente metafórica. A interpretação simbólica leva mais longe e mais fundo, para além das simples aparências, até à percepção do princípio da fecundidade, que se verifica em cada um dos animais indicados e que se revela muito mais intensa em Posídon pelo facto de a multiplicidade dos animais representados produzir um efeito acumulativo (Id., p. 540).

Desloco a fertilidade para as relações de gênero e as expressões das sexualidades. Haja ondulações barulhentas tanto na ars erótica quando nas scientiae sexualis1. Ontem e hoje! Pergunto: e o sempre? Poderá anunciar novos tempos? Violências domésticas imbricadas nas violências sexuais. Iniquidades de gênero articuladas às condições sócio-econômico-culturais e às desempregabilidades, as emigrações; as novas configurações familiares engalfinhadas aos preconceitos, heteronormatividades e padrões sexistas; as políticas públicas para infâncias, adolescências, juventudes, idosos e idosas e, muitas vezes suas ausências nas configurações das cidades; os padrões das fontes de rejuvenescimento, dentre tantos outros temas. Ou não!

Cada obra deste Museu Imaginário das Águas, Gênero e Sexualidade articula, portanto, as possibilidades de refletir sobre esses aspectos pontuados no parágrafo anterior considerando que "o imaginário na obra de Gilbert Durand é um conjunto vasto de significados, fantasmas, lembranças, sonhos, devaneios, crenças, mitos, romance, ficção" (TEIXEIRA e ARAÚJO, 2011, p. 41). Imprimir, portanto, o imaginário, nas letras das sexualidades e das relações de gênero faz-nos surfar pela ars erótica - inventariando os seus recursos e, a partir deles, debater, pensar, admirar, indignar, gozar com as possibilidades de construir novas formas de ser em grupo mais respeitosas às diferenças.

A educação do imaginário pretende, assim, "ativar fantasias, mitos, utopias como forma de superar o falso conflito entre razão e imaginação" (ARAÚJO, ARAÚJO e RIBEIRO, 2012, p. 14). Ao ativá-las, pretendo fomentar os processos educativos em Educação para as Sexualidades e Gênero. Dessa forma e intencionalmente sem fôrma, faço valer também a "Pedagogia do Imaginário baseada numa poética do devaneio [que] sabe perturbar a razão através das "hormonas da imaginação" enquanto reservas de entusiasmo" (ARAÚJO e ARAÚJO, 2009, p. 54).

Haja fertilidade nas simbologias de Netuno!

Haja fecundidade nas simbologias das fontes!

Nota

1 Existem historicamente, dois grandes procedimentos para produzir a verdade do sexo. Por um lado as sociedades - e elas foram numerosas: a China, o Japão, a Índia, Roma, as nações árabes-muçulmanas - que se dotaram de uma ars erotica. Na arte erótica, a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiência; não é por referência a uma lei absoluta do permitido e do proibido, nem a um critério de utilidade, que o prazer é levado em consideração, mas, ao contrário, em relação a si mesmo: ele deve ser conhecido como prazer, e portanto, segundo sua intensidade, sua qualidade específica, sua duração, suas reverberações no corpo e na alma (FOUCAULT, 1988, p.65, 66).

Referências

ARAÚJO, Alberto Filipe; ARAÚJO, Joaquim Machado de e RIBEIRO, José Augusto. As lições de Pinóquio. Estou farto de ser sempre um boneco. Curitiba, Pr: Editora CRV, 2012.

___________ e ARAÚJO, Joaquim Machado de. Imaginário Educacional: figuras e formas. Niterói, RJ: Intertexto. 2009.

CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário dos Símbolos. Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra. Lisboa: Editorial Teorema, 1982.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. 19ª. edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. Lisboa: A Espera dos Livros, 2007.

REVILLA, Federico. Diccionário de Iconografía Y Simbología. Madrid: Ediciones Cátedra, 2012.

TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez; ARAÚJO, Alberto Filipe. Gilbert Durand: imaginário e educação. Niterói: Intertexto, 2011.